quarta-feira, 29 de abril de 2009

AMARGURAS


amargura
:

coleção
de tristezas

jantar a dois
e só um à mesa

tantas certezas
mortas que

no amanhã
nada se delinea

desencanto
pela vida ser

magra ceia

*

amar com juras
amar(guras)

*

quanto mais amargos
mais intragáveis

somos (...)

*

você
amargo?

case com
um aspargo!

*

segunda-feira, 27 de abril de 2009

RAMALHETES




Nas encostas dos abismos
sem fundo, nasceram
ramalhetes dourados.

Tamanho o aroma
que dos píncaros desceu
aos vales o seu rastro.

Subiram, então, fariseus
com vasos ornados
a ouro e pedras místicas,

para roubar-lhes o sumo,
gabar aos hebreus
e enfeitar seus erários.

Talharam as raízes,
e pelas pétalas levaram
o que dela jamais se leva.

Cegaram os escravos
que por relance miraram
a penumbra de suas heras.

Ao relincho das mulas,
assomavam gritos
e estalidos de chicotes.

Na surdina, os fariseus
já tramavam entre si
a partilha dos dotes.

De um grupo, formaram-se
dois, de dois quebraram-se
em quatro, entre os quatro

firmaram um pacto:
cortados seriam os artelhos
dos lépidos, mutilada a

língua dos sábios, rasgados
os lábios dos belos,
de tal forma que

para virtude qualquer
se daria devido trato.
Reduzidos à mediocridade,

enfim, chegaram à cidade.
Mas não guardavam mais
os fariseus seu orgulho

e a suposta santidade.
Rotos feitos porcos,
apenas restos da

pretensão de outrora,
como bestas a todos
anunciaram a mãe das rosas.

E, assim, mutilados
e o espírito em crostas,
despejaram de seus

vasos ornados a ouro
e pedras místicas
capins e bostas.

E o riso se alastrou
por setenta e cinco anos.
E a história percorreu

por mais cento e vinte anos.
E os filhos dos fariseus
esconderam os nomes

de seus decanos.
Pelos vales ainda
os ramalhetes espalham

seus aromas.
Mas há riquezas que não
pertencem aos homens,

como os céus e as ondas.

segunda-feira, 20 de abril de 2009

VÍBORAS

Como vencer estas víboras, que se enlaçam escamosas pelas caudas? Talvez guardem acessos seculares a tesouros e ciências. Talvez apenas promessas esquecidas em baús cobertos de memórias. Devo empunhar a adaga e degolá-las, correr o risco para talvez se ver o nada? Dentro destas galerias, rezo encontrar o escape, embora somente penhascos tenha visto. Convivo com estranhas sombras, das quais procuro um rosto sem saber dos traços. Ontem se inicia sempre no mesmo ontem, de forma que paralíticos são os relógios que aqui se encontram. Pergunto se dentro de mim ainda há uma fuga. Mas como vencer estas víboras, que se enlaçam escamosas pelas caudas? Acima de tudo, um estranho tudo vê, com olhos de ventania. Escondo-me entre brechas de pensamento, talhadas em rochedos ardilosos. Onde repousam as sementes prometidas, que ornarão meus precipícios?


(clicar em desenho)


terça-feira, 14 de abril de 2009

ESCORBUTO




Andarilho obtuso, pelo cascalho moldado, rumino castelos que se erigem até o sopro de uma impossibilidade. O castigo de secar em meio aos mares, me segue feito a língua bífida das serpentes, e me resta somente suportar a ruína da carne, até o encontro dos ossos. O sol me escalda, e mal sei se alucino ao ver meu fantasma por entre ramagens do deserto ou seriam ondas. Por que me estendo a mão, se não creio nas vertigens do espírito? Será minha fé tombada por colheitas perdidas? Afasto porções de silêncio sobre futuras pegadas. Uma brisa revela perfumes infímos de plantas frescas. Gaivotas salpicam o céu. Meus companheiros se animam, cantam e rezam. Longe, avisto nova terra, com promessas que serão desfeitas e desejos a serem suspensos. Chegamos. E Deus não tem nada a ver com isso.








segunda-feira, 13 de abril de 2009

fragmentos


Não chegávamos, nem íamos, por saber que nisso estava a graça, de ficar ao meio-fio a espiar o mundo e nos lambuzar de esmeraldas surgidas nos caminhos que se furtavam à vista, por além das colinas, por sobre os mares, até os céus, a romper a noite e a passar o silêncio dos grilos.

Por anos, nossa Terra girara assim, sem sentido de espera, apitos de partida ou chegada. Não guardávamos frutos e nos saciávamos sempre aos pés das árvores, a colheita apenas ao apelo da boca e as sementes lançadas aos pássaros. Nosso sono não era o justo, mas o farto, o corpo estirado sobre relva qualquer, jamais encolhido pelo medo que se plantam nos dias. Passeávamos ao mando dos pés e guardamos fotografia alguma daqueles dias, por nos sabermos eternos. O tempo não existia para nós.

Assim vivemos durante eras, sem eira nem beira. Mas talvez por não tê-las, começaram as palavras seus sumiços terríveis. À princípio, aquelas aos finais de frases, tornando-nos reticentes; depois as que dizíamos durante abraços. “Olá, minha cara, bom dia, meu bem”, nos constrangia, e passamos a pensá-las antes de dizê-las. A quietude esgueirava à feição das cobras e embora criássemos adjetivos, jamais falavam à altura das coisas. No dia em que ficamos mudos, teimou a aurora a raiar e o leite esfriou na espera do Sol. Tornamo-nos mímicos, mas ainda nos olhávamos, e um ao outro tentávamos perguntas, onde está o açúcar, você viu os chinelos?


(CTY, do conto "O apartamento")

pérolas do Dani




Natal?
A gente já foi no Natal!

O Natal é muito longe...

segunda-feira, 6 de abril de 2009

SEREIAS


Se você fosse
uma mentira,

talvez eu pudesse
ser sincero.

Diria o quanto
te quero

e o tanto que
te quereria

se os dias
fossem eternos.

Mas você é
uma verdade,

que arde.
Por isso

fico
atento e ermo.

Não direi
que te amo,

salvo
se for engano.

Cego por
teus encantos,

rezo para
que rasas

sejam as águas
em que afogo.