segunda-feira, 23 de março de 2009

pSicaNalÍTIcO II

Cara Srta.,


Em sua distinta carta, a ilustríssima me conta acerca de seu repentino desejo em se olhar no espelho, quatro vezes por hora. Comenta que se trata de hábito recente, contemporâneo ao início de suas malhações. Menciona as linhas de seus quadríceps e o sensual efeito gerado nos contornos de sua coxa, além de fornecer detalhes de sua musculatura glútea. Seu abdominal está mais durinho e seco, o que combina com a nova coloração de seus cabelos, embora não tenha entendido essa relação.

Bem, de fato, trata-se de caso que merece certos cuidados. Este súbito narcisismo pode ser reflexo de um início de demência precoce. K. Abraham já falava que a característica psicossexual desta patologia é o retorno do paciente ao auto-erotismo. Preocupou-me um pouco, o tesão que a senhorita sente por suas nádegas. Que gosta de apalpá-las e dar tapinhas. Que adoraria mordê-las, o que é um indício já mais claro de obstrução de raciocínio... Mas não sejamos conservadores. Dê seus tapinhas, sinta-se feliz. Uns beliscões talvez compensem seus dentes.


Apenas, atenção...dois dias por semana, se puder, intercalados aos treinos anaeróbicos, repita a tabuada dos sete, diga os nomes de quatro planetas do sistema solar, sem valer a Terra. Caso as respostas comecem a ficar nubladas, não pense em carboidratos e calorias. Agachamentos também são ineficazes. Comece com uma leve leitura de receitas, aprofunde em revistas de fofocas e, caso se sentir segura, arrisque um Sydney Sheldon.

Uma excelente dica: fique sempre longe de lagos cristalinos. Às vezes, não se trata de demência precoce, mas uma fase de exacerbada estupidez. Não se afogue... quando melhorar, te conto o motivo...


Aguardo maiores descrições de seus glúteos.

Abraços fecundos,


Dr. Eustênico Masoqks

sexta-feira, 20 de março de 2009

O MEDO E O APEGO






I.

O medo é
o castigo pelo
excesso de zelo.

Achar que são
cristais os vidros
que guardamos.

Reter por inteiro,
o que se basta
pelo meio.

Buscar sempre
o cais nas beiras
do oceano,

como se a terra
mesmo apego
tivesse por

teus enganos.



***

II.

Talvez nada se perca,
quando deixamos perder. Talvez tudo
se ache, quando nada se busque.

Mas e se for só um truque?


***

III.

Chhhh... me contaram
que o medo tem um machado na mão,
mas uma chave no bolso...

quinta-feira, 19 de março de 2009

SENTENÇAS


naquele nada ainda
coube uma tristeza

naquela queda ainda
coube uma rasteira

naquele incêndio ainda
coube uma centelha

naquela dor ainda
coube uma doença

coube ainda aquela
perda naquela ausência

naquele erro ainda
coube uma sentença
.
.
(CTY, Hiatos)

quinta-feira, 12 de março de 2009

A INVASÃO



— Mano, sua batata tá assando. Mó correria, pra tudo miá.
— Se liga. Não rola...
— É fita dada.
— Tô suavão. Faz teus corres, que tô na esquina.
— E aí, parceiro... é de mil graus...tudo sob encomenda...
— Mano, num me envolve nessa parada!
— Vai ser doce. Que nóia a sua, mano...
— E a vítima?
— Vai tá no sono. A gente chega pé-de-anjo. Só na surdina.
— E os vizinhos?
— Medinho, mano? Se viu, viu. Tá na chuva, cê sabe.
— Não tô gostando. Prometi que não dava mais vergonha à minha velha...
— O cara que encomendô a fita, é limpeza. Só quer sigilo.
— Isso vai dar roubada...
— É só fazer pelo certo...
— ...

E lá se foram os dois, na calada da noite, a realizar a empreitada. O pagamento seria farto, pelo arriscado serviço. A "encomenda", arranjada através de contatos telefônicos, sempre em avançado horário, o que imprimia a sensação do profissionalismo às suas ações. A casa, uma antiga relíquia, no melhor estilo clássico, localizada em um bairro chique da cidade, repleta de pequenas praças. Uma guarita próxima, onde um magro senhor de barbas malfeitas roncava a partir das onze.


Tudo estava armado. Pularam o muro. Não havia mais volta. A encomenda tinha que ser relaizada. No salto, um braço arranhado e um joelho dolorido. "Puta merda, mano". "Fecha essa matraca...". Olharam para os lados. O caminho estava livre. Noite abafada. A Lua enorme. " Você tinha que escolher Lua cheia, porra?". "Olha para mim, pareço pescador, mano? O homem quis assim...". Atravessaram um enorme jardim, com azaléias nos canteiros. "É ali..." Pararam abaixo de uma pequena sacada, onde uma moça se entretinha com uma revista ordinária. "É agora, mano..."."Pode crer"."Você fala primeiro?"."Deixa comigo, mas entra logo na cena... fui!"


— Boa noite, linda senhorita! O Sr. Laércio lhe entrega este ramalhete, acompanhado das músicas que melhor expressam seus sentimentos. Aproveite. O amor é sempre um deleite!".
"Às vezes, no silêncio da noite, eu fico imaginando nós dooois. Eu fico aqui sonhando acordado, jun-tan-do, o antes, o agora e o depooois..."


O pai da moça sequer soubera da declaração do Sr. Laércio que, vinte anos mais velho, supunha jamais seria bem aceito pela família. Tinha toda razão. Os dois músicos receberam uma bela oferta do vizinho da casa — que a tudo ouvira — para cantarem uma seresta comemorativa de seus vinte anos de casamento. Quanto a Aninha, adorou o galanteio e contou o episódio para todas as suas amigas. Durante o resto do ano, fora chamada de Rapunzel. Mera confusão de histórias.










segunda-feira, 9 de março de 2009

pSicANaLÍtiCo


Prezada Srta.,




Conforme bem descritos pela Ilustríssima, seus sintomas se assemelham a um quadro de histeria conversiva, derivada de angústias inconscientes ligadas ao erotismo uretral. Fique tranquila, minha cara. Seu tesão urinário não irá destruir ninguém. Melanie Klein, já mencionava sobre "a presença de fantasias em que a urina era imaginada como um agente de corrosão, de desagregação e de corrupção, e como um veneno secreto e insidioso". A srta possui uma uretra, não uma seringa de cicuta.

Assim, se acaso subir um desejo incontrolável em urinar em alguém, sinta-se à vontade. Lambuze-o todo de mixo. Deixe sua fantasia sado-uretral jorrar às costas de alguém. Freud, em "Zur Gewinnung des Feuers"(1932) associa as ligações simbólicas entre micção e o controle do fogo. Portanto, tenha em mente: "sou ardente e fogosa", "sou ardente e fogosa".

Sua paralisia no braço direito provavelmente desparecerá no transcorrer de duas semanas de boas urinadas. O equilíbio psicossomático retornará sem teus recalques. Outra dica, existem pessoas retrógradas pouco afeitas a tais condutas. Vale a pena sondar as preferências de seu par. Ou, então, arrisque! Pegue-o de supresa! Será insequecivel!


Abraços fecundos,


.Dr. Eustênico Masoqks

sexta-feira, 6 de março de 2009

SINALIZAÇÕES



vire à direita
vá para esquerda
reste ao centro
não se adiante
não retorne
olhe
a sinalização


ou à vida
falta o sentido
ou excessivas são


as contramãos

OLHOS




meus olhos
só os vi
pelo espelho

mas são neles
que creio

(CTY, dispersos)

de meu filhote para sua mamãezinha...(pérolas de Dani)



"mamãe,
sua unha tá bonita,
mas parece feia"

quinta-feira, 5 de março de 2009

FILAS DE BANCO



Nas filas de banco sempre encontramos gente que nunca conhecemos. E são tantas que, por questões de simplificação de termos, consideramos todas como "a fila". Às vezes, uma de suas unidades, também denominada "pessoa", chama-nos a atenção. Em geral, um espécime do sexo oposto, dotada de boas feições. É um milagre da natureza e geometria, a capacidade do ser-humano em identificar seres potencialmente encaixáveis. Em outras ocasiões, algumas destas unidades se faz notar, lançando para ninguém e para todos, palavras de queixume acerca do desempenho de uma raça chamada atendentes. Assim não dá, dois funcionários para todo essa gente! As grávidas, também despertam a curiosidade com suas formas redondas e narizes inchados. Ficariam engraçadas com fitas amarelas na cabeça. Os idosos e suas costas curvilíneas... cinco idosos podem acessar nossos sentimentos mais sombrios...


Às vezes, surge a vontade de conversar com alguém desta fila. Arriscamos algumas palavras que, depois de ditas, acreditamos seriam melhores caladas. O tema, sempre a própria fila. O que torna a possível conversa, potencialmente enfadonha. Esse banco sempre demora, não? É, culpa do horário. Pois é. Algumas pessoas conseguem melhor desempenho, no entanto, se arriscam a invadir terrenos não comuns a universo da fila. Você viu que beleza o carnaval? Como? O carnaval. O que que tem o carnaval? A cuíca estava um arraso... o que pode gerar más interpretações ou considerações pouco agradáveis ao ser falante. Seria melhor, então, nos calarmos? Conversas de fila são sempre queixas, não? Alguns lugares tem colocado televisões acima dos atendentes. No volume mínimo, porém. Seu atendente, fala mais baixo, porra! Criaram também uma lei de tempo limite de espera. Não sei se da fila ou da execução da lei.


E o pior, tudo isso para fazer operações detestáveis e nos lembrarmos da existência de vampiros...

quarta-feira, 4 de março de 2009

PREDICADOS




Os esportistas sempre sabem dos bíceps. Os intelectuais, os rumos do pensamento. Os apaixonados, a floricultura mais próxima. Os viciados, a bocada mais suja. Os corajosos, como ninguém, a força de seus espíritos. As dançarinas, os segredos das ancas. As corujas, o canto dos grilos. Os hiponcondríacos, a bula dos remédios. Os precavidos, as saídas de emergência. Os distraídos, as mudanças da Lua e o obituário das vizinhas. Em cada predicado, uma perícia. Que delícias você guarda?

terça-feira, 3 de março de 2009

menina, fale para sua mamãe...



dicas
não são

prédicas

APREDICADOS


Teu nervo exposto
a espadas e pinças
de escorpiões.

A alma ceifada
feito trigo, em meio
a poças d'água.

A esperança sentada
ao sofá, junto a anões
de fantasias.

Teus predicados
sem sujeito nem ações.
A língua sem iguarias.