quinta-feira, 12 de março de 2009

A INVASÃO



— Mano, sua batata tá assando. Mó correria, pra tudo miá.
— Se liga. Não rola...
— É fita dada.
— Tô suavão. Faz teus corres, que tô na esquina.
— E aí, parceiro... é de mil graus...tudo sob encomenda...
— Mano, num me envolve nessa parada!
— Vai ser doce. Que nóia a sua, mano...
— E a vítima?
— Vai tá no sono. A gente chega pé-de-anjo. Só na surdina.
— E os vizinhos?
— Medinho, mano? Se viu, viu. Tá na chuva, cê sabe.
— Não tô gostando. Prometi que não dava mais vergonha à minha velha...
— O cara que encomendô a fita, é limpeza. Só quer sigilo.
— Isso vai dar roubada...
— É só fazer pelo certo...
— ...

E lá se foram os dois, na calada da noite, a realizar a empreitada. O pagamento seria farto, pelo arriscado serviço. A "encomenda", arranjada através de contatos telefônicos, sempre em avançado horário, o que imprimia a sensação do profissionalismo às suas ações. A casa, uma antiga relíquia, no melhor estilo clássico, localizada em um bairro chique da cidade, repleta de pequenas praças. Uma guarita próxima, onde um magro senhor de barbas malfeitas roncava a partir das onze.


Tudo estava armado. Pularam o muro. Não havia mais volta. A encomenda tinha que ser relaizada. No salto, um braço arranhado e um joelho dolorido. "Puta merda, mano". "Fecha essa matraca...". Olharam para os lados. O caminho estava livre. Noite abafada. A Lua enorme. " Você tinha que escolher Lua cheia, porra?". "Olha para mim, pareço pescador, mano? O homem quis assim...". Atravessaram um enorme jardim, com azaléias nos canteiros. "É ali..." Pararam abaixo de uma pequena sacada, onde uma moça se entretinha com uma revista ordinária. "É agora, mano..."."Pode crer"."Você fala primeiro?"."Deixa comigo, mas entra logo na cena... fui!"


— Boa noite, linda senhorita! O Sr. Laércio lhe entrega este ramalhete, acompanhado das músicas que melhor expressam seus sentimentos. Aproveite. O amor é sempre um deleite!".
"Às vezes, no silêncio da noite, eu fico imaginando nós dooois. Eu fico aqui sonhando acordado, jun-tan-do, o antes, o agora e o depooois..."


O pai da moça sequer soubera da declaração do Sr. Laércio que, vinte anos mais velho, supunha jamais seria bem aceito pela família. Tinha toda razão. Os dois músicos receberam uma bela oferta do vizinho da casa — que a tudo ouvira — para cantarem uma seresta comemorativa de seus vinte anos de casamento. Quanto a Aninha, adorou o galanteio e contou o episódio para todas as suas amigas. Durante o resto do ano, fora chamada de Rapunzel. Mera confusão de histórias.










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